Desafios da pecuária frente à lei europeia antidesmatamento

Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável debate com representantes do setor da carne principais desafios que serão enfrentados com a norma. Tema é complexo e ainda gera dúvidas

Por Da Redação
10 de outubro de 2024 às 10h18

A Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS) realizou, na manhã desta quarta-feira (9), o primeiro de uma série de encontros que pretende discutir os desafios a serem enfrentados pela cadeia de valor da pecuária no Brasil com a iminente vigência da lei europeia antidesmatamento. O debate online, intitulado Diálogo Inclusivo – Desafios da cadeia de valor da pecuária para atender ao EUDR, reuniu diferentes elos do setor, na busca de soluções inovadoras e melhor entendimento de como a cadeia pode se estruturar para atender aos requisitos do regulamento.

Com rebanho de cerca de 238 milhões de animais, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), o Brasil é um dos maiores produtores de carne bovina no mundo e ocupa a liderança global das exportações. Somente entre janeiro e setembro de 2024, o Brasil embarcou 2,1 milhões toneladas de carne bovina, um aumento de 28% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Diante das expectativas positivas em relação à exportação de carne e à crescente pressão de mercados importadores por condutas ambientalmente sustentáveis, o diálogo se torna essencial.

O evento promovido pela MBPS contou com a presença de Lisandro Inakake, gerente de projetos do Imaflora e vice-presidente da Comissão Executiva da Mesa Brasileira, Alexander Rose, diretor do Diálogo Agropolítico Brasil-Alemanha (APD), Bruno Leite, coordenador geral de produção animal do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), José Pádua, gerente técnico do Sistema Famasul, e Leonel Almeida, gerente de sustentabilidade da Marfrig.

“O primeiro Diálogo Inclusivo da MBPS atingiu seus objetivos, primeiro ao instalar um ciclo que conduziremos nos próximos dois anos para incidir em favor da pecuária sustentável e também por ter conseguido colocar em cima da mesa os desafios operacionais de ambos os lados: o papel do Governo e os incômodos do setor produtivo”, disse Inakake.

Oportunidade para o Brasil

Inicialmente prevista para entrar em vigor no dia 30 de dezembro de 2024, a Regulamentação Antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês), vai passar a valer em 30 de dezembro de 2025 para grandes empresas e em 30 de junho de 2026 para micro e pequenas empresas. A mudança no prazo foi anunciada no dia 1º de outubro pela Comissão Europeia e deve passar ainda pela aprovação do Parlamento Europeu e pelo Conselho da Comissão Europeia.

Para os participantes do Diálogo, o adiamento é positivo, pois dará aos mercados exportadores mais tempo para se adequarem – principalmente quando se trata de pequenos produtores – e à própria Comissão Europeia, que precisa ajustar detalhes da norma.

“Que a EUDR não está perfeita ficou muito claro ao longo dos últimos anos, existem grandes riscos e problemas críticos, principalmente no lado operacional da norma. Quantos documentos devem ser apresentados, quais seriam eles, quem faz o quê. Muitas perguntas abertas ainda”, disse Alexander Rose.

Além dos problemas operacionais citados pelo representante da cooperação Brasil-Alemanha, os participantes do debate online citaram ainda a falta de clareza, falta de detalhamento dos critérios considerando as diferenças entre regiões e países do globo e ausência de definição sobre o que seria o papel de governos nacionais na aplicação e monitoramento da lei, já que ela é voltada diretamente para o setor produtivo e seus representantes.

Apesar de o adiamento na implementação da EUDR ter sido considerada positiva, sua existência em si ainda gera divergência entre elos do setor. Para José Pádua, da Famasul, a norma fere a autonomia do país.

“A regra da UE é muito bem intencionada, mas fere a soberania nacional, se sobrepõe às regras nacionais e isso vemos com muita preocupação. Não podemos receber uma normativa dessas de forma tranquila e passiva”, disse o representante do setor produtivo.

Para o representante do MAPA, no entanto, a norma europeia pode significar uma oportunidade para o Brasil, que possui um arcabouço ambiental bastante robusto e expertise no monitoramento do desmatamento e no controle da cadeia.

“Não podemos perder a oportunidade do que é essa norma para nossa cadeia produtiva. Temos a possibilidade de sair na frente de muitos mercados, temos um diferencial comparativo que podemos aproveitar ao nosso favor. Temos vantagens competitivas que estamos explorando pouco”, disse.

Leonel Almeida, da Marfrig, ressalta ainda os compromissos já assumidos por empresas e fornecedores brasileiros a respeito da sustentabilidade. “A maior parte da cadeia já está adequada. Cerca de 70% está totalmente aderente a todos os requisitos da EUDR. Precisamos só melhorar o fornecimento indireto”, diz.

Segundo Leandro Inakake, esta divergência de visões só corrobora a importância do diálogo entre os elos da cadeia, em busca de soluções colaborativas que atendam não só às suas próprias necessidades, mas também às de consumidores e da proteção do meio ambiente.

Os Diálogos Inclusivos são realizados pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável em parceria com o Solidaridad e faz parte do projeto SAFE (Sustainable Agriculture for Forest Ecosystems), liderado pela Cooperação Alemã GIZ, que conta com o apoio da União Europeia e Ministério Federal Alemão para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ).

A íntegra do primeiro Diálogo está disponível no Canal da MBPS no Youtube – https://youtu.be/vPupwCcFC9Q