IATF cresceu 400% em 20 anos, mas tem gargalos primários; saiba como resolver

Professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP Pietro Baruselli apontou problemas dentro e fora da porteira que ainda limitam potencial da técnica

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14 de abril de 2021 às 12h48

Mercado da IATF cresce 30% em 2020 e supera 21 milhões de procedimentos”, foi o título do boletim eletrônico do Departamento de Reprodução Animal da FMVZ, da USP, lançado em 22 de fevereiro de 2021. O crescimento expressivo do volume no ano passado na comparação com 2019 seguiu tendência dentro das duas últimas décadas, período em que a aplicação da técnica de reprodução cresceu cerca de 400% no Brasil.

+ Acesse aqui na íntegra o boletim “Mercado da IATF cresce 30% em 2020 e supera 21 milhões de procedimentos”

“É interessante a evolução histórica da aplicação da biotecnologia da reprodução. Se nós pegarmos os dados brasileiros de 20 anos atrás, nós aplicávamos muito pouco biotecnologia da reprodução, e a mais importante das biotecnologias é a inseminação artificial. […] Nós inseminávamos em torno de 5% do rebanho brasileiro há 20 anos e hoje nós estamos chegando em torno de 20% das matrizes inseminadas. Foi um aumento espetacular, um aumento de 4 vezes, ou quase 400% na aplicação da tecnologia. Então realmente o setor fez a tarefa, o dever de casa, aplicou tecnologia, a ciência brasileira, colaborou muito no desenvolvimento de processos aplicados ao campo, de alta eficiência e tudo isso colaborou para que o mercado crescesse de uma forma bem positiva, gerando mais valor para a cadeia de produção”, destacou o professor do Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Pietro Baruselli, em entrevista ao Giro do Boi desta quarta, dia 14.

Boletim do Departamento de Reprodução Animal da FMVZ/USP destacou crescimento da adoção da técnica (clique pra ampliar)

Além da produtividade necessária para fazer frente às atividades concorrentes, o setor precisa evoluir para que o Brasil possa produzir alimentos para um mundo com cada vez mais pessoas e maior demanda.

“O Brasil hoje é um dos países que têm maior futuro na produção de alimentos do mundo. Na atualidade, nós produzimos alimentos já para 800 milhões de pessoas, enquanto a população brasileira é de 200 milhões, então nós já nos tornamos um grande produtor e um grande exportador de alimentos nos últimos 20 anos. Nós aumentamos em 210% a produção de alimentos, enquanto, no mesmo período, o mundo aumentou apenas 60%. Mais uma grande vantagem é que o Brasil é o país que tem maior quantidade de terras agricultáveis no mundo, não somente terras, mas terras com chuvas regulares e com temperatura adequada para produção. Então os dados nacionais e internacionais mostram que nos próximos 50 anos o Brasil vai ser o grande produtor de alimentos para o mundo”, projetou Baruselli.

O professor da USP apresentou o levantamento publicado recentemente pelo departamento em que atua que analisou o uso da IATF no Brasil. “Nós fizemos recentemente um estudo de crescimento anual da tecnologia e essa tecnologia, em 20 anos, teve um crescimento anual de 35%. É um crescimento espetacular. Então veja o quanto que ela foi aplicada pelo produtor nesse período e gerando mais uma vez muito valor agregado à cadeia de produção”, celebrou.

Mas mesmo que o número tenha que ser comemorado, o crescimento vertiginoso expõe ao mesmo tempo algumas falhas de processos tanto dentro como fora da porteira. Um exemplo que é, analisando o uso das pastagens no Brasil, verifica-se que 70% das áreas são destinadas à cria e 30% à recria e engorda. O especialista apontou que, embora as técnicas reprodutivas estejam sendo mais usadas, o número de bezerros produzidos por matriz não evoluiu no mesmo ritmo.

“Esse dado mostra que o setor de cria precisa ainda melhorar a sua eficiência. Apesar de toda essa evolução que nós estamos comentando, a quantidade de bezerros produzidos por inseminação no Brasil gira em torno de 17 a 18%, enquanto que o restante dos bezerros, 83 ou 82%, são produzidos ainda por monta natural. Nós temos ainda uma quantidade de bezerros produzidos por matrizes que fazem com que nós tenhamos a necessidade de ter uma quantidade muito grande de vacas produzindo ainda poucos bezerros. Temos ainda um outro gargalo da pecuária de cria, que é uma idade ao primeiro parte que gira em torno de 4 anos. É tardio! Então nós temos muitas novilhas crescendo dentro do rebanho, ocupando espaço para produzir um bezerro na sua vida reprodutiva. Isso faz com que a pecuária de cria ainda ocupe um espaço muito grande das pastagens, que acaba sendo 70% das pastagens. Se nós fizermos uma análise histórica da quantidade de bezerros produzidos por matriz, nós não estamos evoluindo muito nesse quesito. Então nós temos ainda que melhorar a eficiência reprodutiva do rebanho, enquanto o sistema de recria e engorda tem melhorado bastante, com o desenvolvimento na recria e a finalização na engorda, diminuindo a idade ao abate do boi no Brasil e fazendo com que o setor crescesse em evolução e ocupasse menos espaço dentro da pecuária”, ressaltou.

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O professor da USP destacou também os números que o setor de reprodução bovina com inseminação movimenta que vão além do impacto na produção de alimentos. “Ele está gerando valor para a indústria de fármacos, em torno de quase meio bilhão de reais ao ano. Mas nós temos que acrescentar a esse valor gerado a indústria de produção de sêmen, que mais ou menos gira em torno de meio bilhão de reais por ano também […] e temos o serviço prestado por especialistas, que também gira em torno de meio bilhão. […] Então nós estamos falando em valores dessa cadeia, que gira em torno de fármacos, sêmen e serviços, em torno de 1,5 bilhão de reais por ano”, mensurou Baruselli.

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Além dos gargalos dentro da porteira, o especialista comentou também a necessidade da organização da cadeia dos insumos e serviços da reprodução, que eventualmente pode se transforma em obstáculo para sua evolução.

“Esse setor tem investido muito, por exemplo, na produção de sêmen. As centrais estão aumentando a quantidade de touros, o espaço para receber mais touros, os programas de melhoramento genético estão tendo uma demanda muito grande, eles estão crescendo e identificando mais touros com qualidade genética para ser utilizado nesses programas. Então a indústria está respondendo a essa demanda para que nós tenhamos sêmen em quantidade e qualidade. Isso que está acontecendo, juntamente à demanda por produtos, tanto fármacos, quanto sêmen, nós temos que pensar que é uma tecnologia que demanda também uma organização e um conhecimento técnico. Nós temos que formar vários especialistas que oferecem serviço no campo, e esse é um dos grandes gargalos para tecnologia. É para isso que está todo mundo trabalhando: as universidades, os institutos de pesquisa, o governo, formando pessoas para que o criador tenha acesso correto à aplicação das tecnologias e isso é muito importante. Eu volto a dizer, esses detalhes precisam ser controlados na hora de implantar um programa para que tenha sucesso e para que gere todo esse valor à cadeia de produção”, ponderou Pietro.

“O Brasil está treinando bastante especialista, a demanda é crescente, várias pessoas estão se interessando pelo setor, mas não deixa de ser um gargalo porque, como nós comentamos, o crescimento de 35% ao ano em média é um crescimento extremamente elevado. E para você atender um crescimento tão elevado como esse, muitas vezes você vai ter certas dificuldades. Mas eu não vejo isso como um entrave para o desenvolvimento da tecnologia, mas sim uma preocupação para a organização do setor. Tanto o setor de fármacos como o setor de produção de sêmen e o setor de serviços estão se organizando para atender essa demanda que é uma demanda crescente e eu acredito que vai continuar a celerada ainda por muitos e muitos anos”, estimou.

O veterinário citou que além do benefícios da aceleração do melhoramento genético do rebanho, a IATF também resolve uma deficiência do manejo reprodutivo característico da monta natural. “Hoje dentro do manejo da aplicação do programa de IATF, se trabalha com lotes de vacas paridas e se insemina rapidamente após o parto. Quando a vaca está parida, já com 30 dias pós-parto ela começa já a ser trabalhada para receber um programa de sincronização para ser inseminada já com 40 dias pós-parto. Geralmente o programa de IATF prepara a vaca para ser inseminada no intervalo de 10 dias. Então aí está uma grande vantagem dessa tecnologia, quando comparada com a monta natural: na monta natural, logicamente, a vaca vai se tornar gestante somente a partir do momento que ela manifesta cio, e nós temos vários estudos no Brasil mostrando que a vaca parida a pasto no Brasil demora muito para manifestar o primeiro cio após o parto, então ela demora muito para emprenhar. Ela geralmente não emprenha no começo da estação reprodutiva, junto com o começo do pós-parto”, constatou.

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Para Baruselli, o benefício que esta qualidade da IATF traz para a fazenda é a produção de bezerros do cedo. “A grande vantagem da IATF, além de introduzir genética no rebanho, de melhorar a eficiência genética, é que ela também melhora a eficiência reprodutiva. Ela faz a vaca emprenhar o mais rápido possível, o que é muito importante. Vaca que emprenha rápido, que emprenha no começo da estação de monta, é o início do ciclo virtuoso de produção da pecuária de cria, que é um dos grandes gargalos da pecuária brasileira. Por isso a IATF está crescendo muito, porque ela não é só uma ferramenta de genética, mas de manejo reprodutivo, de melhorar a eficiência reprodutiva dos rebanhos”, opinou.

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Outra vantagem da IATF é que a genética comercializada vem obrigatoriamente de reprodutores que passaram por um programa de melhoramento genético, o que nem sempre ocorre quando a reprodução é feita com uso de tourinhos.

“Inclusive aí que está um dos gargalos da pecuária brasileira. […] Ainda um pouco mais de 80% dos bezerros são produzidos por touros na cadeia de produção brasileira. E aí tem uma notícia que nós precisamos melhorar: desses touros que nós usamos no Brasil, que são em torno de 3 milhões – uma estimativa de touros que nós temos para cobrir o rebanho nacional como um todo -, 90% deles não têm prova genética. São touros escolhidos pelo produtor por ter sido um bezerro bonito, o famoso boi de boiada, infelizmente. […] Lógico que nós temos um percentual de produtores extremamente tecnificados, mas se nós pegarmos os números gerais do Brasil, ainda nós estamos usando pouco o melhoramento genético dentro da seleção para produção de bezerros. Vai um alerta ao produtor da importância de ele se programa para escolher bem o reprodutor, escolher um reprodutor com índice zootécnicos e genéticos avaliados, ou via inseminação ou via monta natural. Isso tem um impacto muito grande na produtividade da cadeia como um todo”, recomendou.

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Confira a entrevista completa com Pietro Baruselli pelo vídeo abaixo:

Foto: Rafael Rocha/ Embrapa